A curta trajetória de João de Deus Torres na política campo-maiorense está associada a sua atividade médica, iniciada na década de 1950. Poucos médicos ocuparam a chefia do executivo municipal. Apenas três.
João de Deus Torres nasceu a 14 de janeiro de 1925, no povoado Santo Antônio, município de Porto-PI. Recém-formado em medicina pela Universidade do Brasil (RJ), passa a residir em Campo Maior, onde casa-se civilmente, em 07 de dezembro de 1951, com a filha do comerciante Deocleciano Lopes de Miranda, Maria Auridea Rocha Miranda. O matrimônio realizou-se na casa do vereador e delegado Alfredo José Carvalho.
João de Deus Torres chegou à prefeitura em 1963. Um ano antes do golpe militar (1964). A implantação da Ditadura Militar influenciou fortemente seu governo. O estabelecimento dos famosos Atos Institucionais encerra o período democrático no Brasil, com a restrição de direitos políticos, censura e liberdade de expressão. Em Campo Maior, pessoas foram interrogadas, investigadas e presas. Vereadores foram afastados ou impedidos de assumir o cargo por suspeita de conspirar contra o regime.
João de Deus Torres era mais um forasteiro. Não tinha nenhuma tradição e nem participava de esquema político. Sua atividade médica foi à única credencial para disputar as eleições. Na cidade, ele atuava nas principais instituições de saúde: Maternidade Sigefredo Pacheco, Hospital São Vicente de Paula e o antigo INAPS (atual INSS). Foi superintendente das Endemias Rurais do Piauí. Sua reputação profissional fez com que ganhasse fama e prestígio perante a população e passasse a ser visto pelos políticos como um forte candidato.
João de Deus Torres era um político moderado e sensato. Não estava totalmente enquadrado no direcionamento político das famílias oligárquicas e nem comprometido cegamente com forças ditas progressistas, como: jornalista Raimundo Antunes Ribeiro e o professor José Olímpio Castro Oliveira. Transitava com facilidade entre conservadores e radicais, burgueses e operários sindicalistas. Relacionava-se bem com políticos tradicionais e radicais. Soube como poucos agregar, no seu governo, alas conservadoras e progressistas. Forças antagônicas coexistam amigavelmente a sombra do governo. Ocupavam cargos na prefeitura pessoas de família tradicional (José Francisco Bona – secretário de saúde), líderes sindicais (Raimundo Antunes Ribeiro), burgueses, figuras de larga tradição em matéria de gestão (Joaquim Antônio Oliveira – jurídico; e Marion Saraiva – educação).
Ao receber a prefeitura, logo de início organizou a administração no setor financeiro, na tentativa de regularizar e controlar a finança pública. Ele tentou praticamente refazer todo o sistema de cobrança de imposto no objetivo de regularizar a situação de inadimplência, sobretudo no pagamento do arrendamento de carnaubais da prefeitura. Tributos haviam sido abolidos, herança da gestão anterior, forçando-o a recriar uma série de impostos, para: meio fio, limpeza pública, água e energia elétrica para viabilizar recursos destinados ao desenvolvimento urbano. Petições que pediam abatimento ou dispensa de pagamentos referentes a arrendamentos de carnaubais da prefeitura eram rejeitados, mostrando sensatez do administrador no zelo pelo erário municipal. Revogou algumas leis aprovadas no governo de José Olímpio da Paz que prejudicava o interesse público como a que estabelecia normas para a exploração e arrendamento dos carnaubais da prefeitura.
Seu governo foi conturbado. Os opositores se aproveitavam da fragilidade do governo para colocar a população contra o prefeito. As criticas ao João de Deus não recai somente em cima dele, mas em cima do alto escalão que exercia grande força política na gestão. Alguns vereadores, a exemplo de Raimundo Macêdo Brito criticava o governo por seguir o modelo da administração de José Olímpio da Paz, a não fazer concorrência para serviços públicos. Essas medidas deixavam brechas para a oposição agir.
Como médico, João de Deus não descuidou da saúde pública, ao fundar duas instituições de extrema importância para o setor: a Maternidade e o Posto de Serviço de Atendimento Médico Domiciliar e Urgente -SAMDU-, com o apoio do senador Sigefredo Pacheco, que destinou verbas para a construção das casas de saúde.
Em seu governo iniciaram-se as primeiras discussões entorno da emancipação política dos povoados Conceição do Brasão, Nazaré e Jatobá. Essa discussão começou pelos vereadores ligados as referidas localidades. A gestão também ficou marcada pelos desabamento de casas (172) devido ao rigoroso inverno de 1964, tendo-o de enfrentar de forma urgente o imprevisto problema social.
A Revolução de 1964 em Campo Maior
O governo de João de Deus Torres foi marcado por um importante fato histórico ocorrido no Brasil: a Revolução de 1964. No ano da tomado do poder civil pelos militares, muitos vereadores campo-maiorenses apoiaram à derrubada de João Goulart da presidência da República. Uma demonstração desse fato foram os pronunciamentos elogiosos dos vereadores às atitudes corajosas e “patrióticas” de civis e militares na concretização do golpe ou revolução?
Os parlamentares Francisco Pedro Barros (Chico Barros) e Francisco das Chagas Campos Pereira prestaram votos de homenagem às autoridades civis do país envolvidas no golpe militar. Nesse sentido, Antônio Wilson Andrade sugeriu a inclusão dos militares nas homenagens. Para Chagas Campos, a importância da “Revolução de 64” está no fato de livrar o Brasil da influência comunista.
Com pouco tempo de instalação da Ditadura Militar aparecem às primeiras desilusões com o regime por parte de alguns vereadores. Chico Barros lamenta a prisão de alguns amigos e fala da suposta trama para assassinar o prefeito João de Deus Torres. Tal discurso caiu como uma bomba. Foi mal visto pelos representantes políticos atrelados ao regime militar em Campo Maior.
Simpatizante e apoiador da Ditadura Militar, o vereador Barros passou a ser visto com maus olhos pelo regime autoritário, sendo perseguido politicamente por conta dos seus discursos. Ele era vigiado constantemente pelos adversários que queriam caçar seu mandato e direitos políticos.
Francisco Pedro Barros lamentou muito em não ter votado a favor do título de cidadania campo-maiorense para Raimundo Antunes Ribeiro simplesmente por medo de caçarem seu mandato, haja vista o agraciado com a honraria ser simpatizante de Leonel Brizola, um dos líderes de oposição ao regime militar no Brasil. Antunes Ribeiro foi um dos políticos presos em Campo Maior pela Ditadura. Um pronunciamento de Chico Barros em favor de Antunes Ribeiro causaria prejuízo político. O vereador sofreu perseguição na vigência do regime militar. Ele foi impedido de assumir o cargo de vereador temporariamente na vaga de Joaquim Lopes da Silva na gestão de Raimundo Nonato Andrade, em virtude de declarações contra a Revolução de 1964.
O momento de crise no governo de João de Deus Torre veio justamente com o agravamento político no Brasil, que levou o país a se aliar ideologicamente aos Estados Unidos, acabando com qualquer pretensão da União das Repúblicas Socialista Soviética – URSS- de possíveis alianças com o Brasil no enfrentamento da Guerra Fria.
O anticomunismo predominou em debates e discursos de vereadores como Chagas Campos e Francisco Pedro Barros que atacava representantes de sindicato, acusado de serem esquerdistas.
Os vereadores Francisco Chagas Campos Pereira e Francisco Pedro Barros sintonizados com a política anticomunista e pró- Estados Unidos discursavam sobre os acontecimentos que antecederam e levaram ao golpe de 1964. Criou-se um mal estar em relação à gestão de João de Deus Torre que em certo momento atendia os interesses de sindicatos locais acusados de ser refúgio de simpatizantes comunistas.
O prefeito deu assistência logística ao movimento da Liga Camponesa da localidade Matinho para uma reunião com mais de 600 pessoas, incluindo pessoas ligadas ao governo: Francisco Pedro Barros. Doou terras aos pobres. Considerou de Utilidade Pública e ajudou financeiramente o Centro Operário Campo-Maiorense, sindicato que representava parte das classes populares da cidade. Repassou ferramentas e utensílios agrícolas aos trabalhadores rurais. Auxiliou o custeio de despesas das viagens de membros do Sindicato Rural de Campo Maior para participar de Congresso da categoria fora do Estado.
Os governos anteriores se preocupavam apenas com os fazendeiros, ao comprar touros para depois ceder sem nenhum custo aos pecuaristas na finalidade de melhora geneticamente o rebanho local. De fato o governo de João de Deus não era alinhado totalmente ao interesse dos burgueses como os anteriores. Corajoso, bateu de frente contra interesses particulares de pessoas poderosas, influentes politicamente como Waldeck Bona. Perdeu apoio político de parte dos membros da poderosa família Bona.
Na metade do mandato de João de Deus Torres, o legislativo passa por mudança ideológica muito drástica, ao inverter os papéis de parlamentares na Câmara Municipal: o vereador Antônio Wilson Andrade, antes da situação passa para oposição, e Francisco Pedro Barros, anticomunista e ardoroso defensor do regime militar coloca-se na defesa do prefeito e contra a Ditadura. Tudo isso é fruto de uma legislatura conturbada e marcada por disputas pessoais entre edis que desestabilizavam politicamente a gestão de João de Deus Torres.
O prefeito não tinha controle sobre a bancada do governo na Câmara Municipal. Vereadores alinhados ao governo votavam contra projetos e vetos do executivo. Talvez seja este um dos motivos da sua renúncia do cargo de prefeito. Ele perdeu substancial apoio político tanto na Câmara como de aliados. Um exemplo é à saída de Antônio Wilson Andrade da bancada do governo. O vereador foi um dos mais beneficiados no início da gestão. Com a chegada de Raimundo Nonato Andrade a prefeitura a política muda de ares. Os opositores da Ditadura foram silenciados.
As críticas ao governo de João de Deus tornam sistemáticas. A posição vira maioria na Câmara. As cobranças e fiscalização aumentam. Discursos e boletins anônimos desestabilizam moralmente o governo.
O desgaste do governo era evidente com a crise econômica advindo do problema de desabastecimento e o aumento no preço dos alimentos ocasionado pela falta de alguns produtos. São anos de hiperinflação no Brasil. A crise agravava-se com a perda da maioria parlamentar do governo na Câmara Municipal e os constantes bombardeamentos e questionamentos, sobretudo na questão da prestação de contas. Republicano, João de Deus atendia na medida do possível o chamamento do legislativo na intenção de prestar esclarecimento sobre ações.
A Renúncia de João de Deus Torres
Sem o apoio da Câmara Municipal para governar, sofrendo críticas de todos os lados, com uma oposição ferrenha, João de Deus Torre renúncia no final de mandato (27/01/1966) ao cargo, num gesto político de querer jogar a culpa de qualquer fracasso administrativo no Legislativo. O prefeito imitava a atitude de Jânio Quadros, ao renunciar a presidência da República na espera de ganhar apoio popular e manter o prestígio e o poder. Assim como Jânio Quadros, João de Deus não conseguiu o intento político, a não barrar a eleição de Raimundo Nonato Andrade, irmão do seu maior rival na Câmara.
No discurso de renúncia, lido na Câmara, ele se referia como “prefeito constitucional de Campo Maior” numa afronta ao nada democrático governo dos militares, que não o perseguiu abertamente, porém não deixou de pressionar seu governo em questões extremamente desconfortantes para a conduta moral e política.
O discurso João de Deus, assemelhava-se na retórica, ao de Jânio Quadro. Dizia o prefeito: “forças muito superiores a minha capacidade de luta, impediram-me de corresponder em trabalho, realizações e assistência social, aquilo que era meu desejo e aspirações de milhares de campo-maiorenses”. Sentindo se vitima de “forças superiores”, ele destila críticas aos adversários, que na sua visão, não souberem se comportar democraticamente, já que tinha sido eleito num pleito “livre e democrático”.
As campanhas eleitorais eram sempre marcadas por votações extremamente fraudulentas. Ele utilizava-se de um discurso populista ao estilo varguista, permeando-o de ideias de aspirações socialistas. Dizia-se vitima daqueles que não queriam o progresso coletivo. Os interesses pessoais dos políticos falavam mais alto. O prefeito já tinha se afastado do cargo outras vezes para defender-se na justiça.
Governo de João de Deus Torres certamente não foi a pior das administrações municipais, porém não foi das melhores. Assim como José Olímpio da Paz e Dácio Bona, João de Deus Torres deixou recursos nas contas da prefeitura.
Após a sua renúncia, muda-se com a família para Brasília.
FONTES CONSULTADAS.
CHAVES, Celson. História Política de Campo Maior. Campo Maior-PI, edição do autor: 2013.
Ditadura Militar e o Governo de João de Deus Torres. Celson Chaves. Jornal Foge Homem. Campo Maior. Ano I, nº03, setembro de 2014.
LIMA, Reginaldo Gonçalves. Geração Campo Maior: anotações para uma enciclopédia. Campo Maior-PI, edição do autor, 1995.
XIMENES, Moacir. Painel fotográfico de ex-prefeitos de Campo Maior. Campo Maior. FCXA, 2007.
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