A área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) recomendou à Caixa Econômica Federal, em medida cautelar, o bloqueio de R$ 6 bilhões do programa educacional Pé-de-Meia. A recomendação é baseada em indícios de supostas irregularidades no financiamento da política, após representação feita pelo MPTCU (Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União). O Pé-de-Meia, iniciado em março, pretende combater a evasão escolar no ensino médio por meio da concessão de bolsa a estudantes de baixa renda.
A política é de responsabilidade do Ministério da Educação, mas a Caixa realiza as transferências aos alunos — por isso o pedido de bloqueio foi feito ao banco. A sugestão é da Secretaria de Controle Externo de Contas Públicas do TCU e foi publicada nessa quarta-feira (11). A recomendação da secretaria não é definitiva e ainda será analisada por outras áreas do tribunal.
A representação questiona o Fipem (Fundo de Custeio da Poupança de Incentivo à Permanência e Conclusão Escolar para Estudantes do Ensino Médio), um fundo privado criado para custear o Pé-de-Meia. O documento do tribunal também pede que o Ministério da Educação não use recursos do FGO (Fundo Garantidor de Operações) e do Fgeduc (Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo) para abastecer o Fipem.
O pedido de bloqueio do TCU diz respeito a valores transferidos pelo Fgeduc ao fundo do Pé-de-Meia em 2024. O uso do FGO para financiar a política ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional — atualmente, o projeto está no plenário do Senado.
Em resposta ao R7, o Ministério da Educação informou que “todos os aportes feitos para o programa foram aprovados pelo Congresso Nacional e cumpriram as normas orçamentárias vigentes. O governo prestou os esclarecimentos preliminares que foram solicitados pelo TCU e, tempestivamente, irá complementar informações”.
O relator, ministro Augusto Nardes, pediu explicações ao MEC, ao Fipem, à Caixa, à Secretaria de Orçamento Federal e à Secretaria do Tesouro Nacional. Os órgãos prestaram os esclarecimentos solicitados e pediram uma reunião com a equipe técnica do tribunal. O encontro, que contou também com a presença da AGU (Advocacia-Geral da União), ocorreu na sexta-feira da semana passada (6).
Bloqueio não implica em paralisação do programa
O TCU argumenta que o corte de R$ 6 bilhões não interromperia a política de imediato, embora possa comprometer o funcionamento futuro. Segundo o tribunal, o Fipem tem em caixa cerca de R$ 7,8 bilhões — o custo total do Pé-de-Meia neste ano é de aproximadamente R$ 795 milhões, incluídos “o pagamento mensal do incentivo, a taxa de administração e a tarifa do agente financeiro”.
Restaria para uso livre pelo Fipem em torno de R$ 1,8 bilhão, valor suficiente para suportar as despesas com o programa até o fim de 2024 e no início de 2025 — acrescenta o texto. Foram agrupadas à representação do MPTCU outras três ações que questionam a legalidade e a transparência do programa. Esses processos foram apresentados por deputados federais de oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Entenda os argumentos da auditoria
A área técnica do TCU alega que o abastecimento do Fipem — por ser feito pelo FGO e Fgeduc — é feito sem autorização orçamentária, já que os fundos privados não constam no Orçamento da União nem passam pelo Tesouro Nacional.
“Essa prática tem várias implicações, incluindo questões orçamentárias, financeiras, de rastreabilidade e de transparência”, defende a auditoria, ao acrescentar que o método “desconsidera importantes regras fiscais vigentes”.
Para a secretaria do TCU, o aporte de R$ 6 bilhões não estava previsto no Orçamento deste ano e, portanto, teria sido feito “à margem das regras fiscais vigentes”, como o novo arcabouço fiscal e a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). A área técnica argumenta que esse movimento pode causar danos à sociedade, como aumento da inflação.
A realização desses aportes ao Fipem, sem a devida autorização orçamentária, propicia a expansão de gastos do governo, com a execução de políticas públicas, fora dos limites estabelecidos pelo Novo Arcabouço Fiscal. Esse tipo de arranjo para a execução de programas possui outras consequências deletérias para as contas públicas no médio e longo prazo, como a perda de credibilidade do arcabouço fiscal, o que acarreta fuga de investidores, desvalorização da moeda frente ao dólar e, consequentemente, aumento da inflação e das taxas de juros — elenca a secretaria, ao destacar que os fundos privados acabam funcionando como “orçamentos paralelos”.
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O que diz o governo e a devolutiva da área técnica
Em resposta à auditoria, a AGU alegou que o Fipem é um fundo privado e que, portanto, não pode ser incluído na contagem das contas públicas. A advocacia-geral defende a tese de que recursos privados não passam a ser públicos apenas por serem aplicados em políticas públicas.
As despesas efetuadas por fundo privado, com recursos de seu patrimônio privado, são despesas privadas, e não poderiam, sob pena de confisco, estar submetidas ao Orçamento Geral da União; A inclusão de um fundo privado, a fórceps, em caráter inédito, no Orçamento Geral da União, implicaria violação flagrante da exclusividade orçamentária, por fazer constar do orçamento público coisa distinta da receita e despesa públicas — destacou o órgão.
A AGU também argumentou que a União é apenas um dos participantes do Fipem — “há cotistas além da União atualmente, e a lei prevê a possibilidade de expansão deste quadro de cotistas”. “Arrastar o patrimônio privado de um fundo e de seus cotistas para o seio do orçamento da União é violar os alicerces da Constituição e perpetrar um confisco que não apenas afronta a legalidade, mas aniquila a legítima autonomia do que é privado”, acrescentou.
O órgão apresentou, ainda, a possibilidade desse entendimento influenciar o modelo atual de outras políticas públicas. “A premissa de que o mero fato de algo ser uma política pública transformaria toda despesa em despesa pública não apenas carece de base constitucional, mas também revela um entendimento distorcido da própria natureza jurídica do orçamento e das políticas públicas; corromperia ainda a lógica de autonomia patrimonial dos fundos privados, amplamente presentes no ordenamento brasileiro, desconsiderando sua relevância como instrumentos legítimos e por vezes necessários para a execução de políticas públicas”, defendeu a AGU.
Em resposta à advocacia-geral, a área técnica do TCU afirmou que, na prática, o Fipem age como operacionalizador de investimentos públicos. “Embora na forma o Fipem seja um fundo de natureza privada, patrimônio próprio e detentor de capacidade jurídica, na essência, ele é mero depositário e operacionalizador de recursos públicos. Na prática, as despesas com a execução do programa são despesas públicas, realizadas pelo MEC com fonte em recursos públicos para o cumprimento da função distributiva do Estado”, concluiu.
Fonte: R7 Notícias
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