AS ORIGENS
No Brasil, a construção de “Torres ou Colunas” para instalação de Relógios Públicos em praças, avenidas ou em fachada de Igrejas faziam parte do plano de urbanização e modernização das cidades, na primeira metade do século XX. Sendo assim, as urbes, em especial, as capitais de estado (São Paulo, Belém, Manaus, Goiânia,
Fortaleza…) começavam a instalar seus Relógios, entre as décadas de 1930 e 1940. O antigo Relógio de Teresina, denominado de “Coluna da Hora”, situado na Praça Rio Branco foi implantado na década de 1930.
Nesse sentido, Campo Maior não foge a regra. Os registros fotográficos e a inscrição contida no velho sino do Relógio sinalizam a instalação do mesmo para a data de 10 de novembro de 1940, na gestão do prefeito Francisco Alves Cavalcante. Segundo Francisco Cardoso (2011, pág. 58-59):
“Foi também construído, […], uma elevada e imponente coluna sobre um pedestal, com quatro lados e em cada face um relógio NORMA, com mais ou menos cinquenta centímetros quadrado, que de 15 em 15 minutos anunciava pelo seu carrilhão que era ouvido a longa distância. Era muito útil a população, ficava dividindo a praça [Luís Miranda] ao meio, quase de frente a Casa Inglesa, que depois de muito tempo puseram ao chão toda sua estrutura e os quatros relógios foram levados para outra coluna, na Praça da Rodoviária, só que não foram montados”.
A instalação de um Relógio Público representava não apenas a racionalização do tempo, a transformação da rotina urbana. Com aspecto de novidade, o Relógio era visto como algo expressivo para a vida burguesa, benéfico aos negócios. Por época da inauguração do Relógio da Igreja de São Benedito em Teresina, no ano de 1945, o campo-maiorense João Basto, então funcionário do governo do Estado, assim se manifestou sobre a importância do Relógio para o cotidiano da capital piauiense.
“O conhecimento da ‘Hora Legal’, com absoluta precisão, por todos os que nesse agitado e crescente labor humano em Teresina, principalmente nesta fase de grandes apreensões na luta pela vida, é, indiscutivelmente, um benefício real e extraordinário vulto a toda gente” (Almanaque da Parnaíba, 1945, pág. 145);
UM SÍMBOLO MODERNO
Na década de 1940, a cidade de Campo Maior estava vivendo um momento de progresso econômico, advindo principalmente do extrativismo vegetal da Cera da Carnaúba. Um dos efeitos desse crescimento econômico foi à urbanização da cidade com o calçamento das primeiras ruas do centro, construção de praças com belos
jardins, iluminação elétrica, edificações de casarões e sobrados dos barões da cera da carnaúba, contribuindo para o surgimento de novas avenidas, mas largas e alinhadas.
Um dos símbolos dessa modernidade e de embelezamento urbano, sem dúvida, foi à construção da Torre do Relógio na Praça Luís Miranda. A região urbanizava-se rapidamente com a pavimentação de novas ruas, como a: Demerval Lobão e José Paulino, transformadas em avenidas, na década de 1960. As duas vias públicas, aos poucos, acabaram atraindo lojas e armazéns, formando o novo centro comercial da cidade.
Mesmo mudando de endereço, a reforma da atual Torre do Relógio preservou o formato arquitetônico do antigo obelisco que situava na Praça Luís Miranda, com quatro relógios, um em cada lado da torre.
MUDANÇA DE ENDEREÇO
Depois da demolição do Mercado Velho da Praça Luís Miranda, em 14 de outubro de 1972, ficou a dúvida se o antigo Relógio deveria ou não permanecer no mesmo local, onde seria posteriormente construído o moderno complexo da administração municipal (Prefeitura). Houve quem resistisse à mudança. E a voz discordante ecoou da Câmara Municipal: “o vereador Raimundo Soares de Sousa falou a respeito da retirada do relógio que fica situado na Praça Luís Miranda, na sua opinião não seria retirado”. Mesmo com a demolição do antigo Mercado em 1972, o relógio permaneceu por lá até 1975, ainda que desmantelado. O seu destino era incerto. Sobre isso, manifestou-se o vereador José Cunha Neto no plenário da Câmara querendo “saber qual situação que poderia ser tomada sobre o relógio público de nossa cidade, pois o mesmo está sem conserto”.
Em 1973 é inaugurado o Terminal Rodoviário nas próximas da Avenida Santo Antônio, pouco depois, em 1976, o Relógio é transferido para essa nova área urbana da cidade, situando-o na Praça da Liberdade ou Praça da Rodoviária.
Mesmo com a mudança de endereço em 1976, o velho Relógio permaneceu alguns períodos sem funcionar, parando de vez no início dos anos de 1980. São muitos os reclames de vereadores, ao solicitar do poder executivo o seu conserto. Os pedidos foram inúteis. João Alves Filho foi o parlamentar que mais cobrou o conserto do Relógio. Ele pouco funcionou depois da sua transferência para a Praça da Rodoviária.
Com quase 40 anos de atraso, finalmente o Relógio volta a soar e marcar as horas. Certamente, mesmo restaurado, ele não terá atenção e a procura como antes, pois o mundo digital em que vivemos enterra a nostalgia de tempos áureos, em que o relógio não apenas marcava as horas, mas determinava o cotidiano de pessoas e os encantos de uma cidade.
O SÍMBOLO DE UM DESALETADO TEMPO RESSURGE DEPOIS DE UMA REFORMA
Depois de mais de 40 anos sem funcionar, o prefeito Joãozinho Félix teve a iniciativa de resgatar este que é um dos principais símbolos da história de Campo Maior. Com as obras de reforma e revitalização da Praça da Liberdade e da Avenida Santo Antonio, o atual gestor municipal resolveu restaurar o relógio e reformar o obelisco que abriga o equipamento, preservando a sua estrutura original.
O relógio, cuja máquina é francesa da marca Jacques Perret, acompanha também um sino de badalo fundido em bronze. Este havia sido cedido para a Paróquia de São Pedro Nolasco, no bairro Cariri, onde encontrava-se no alto da torre. Com o objetivo de recuperar o sino, a gestão municipal procurou o bispo de Campo Maior, dom Francisco de Assis Gabriel dos Santos e o pároco, Flávio Naylton, que cederam o objeto para o Município. Em troca, a gestão fez a aquisição de um novo sino para a paróquia, adquirido em Juazeiro do Norte-CE, para substituir o antigo, que foi reformado e recolocado na torre da Praça da Liberdade.
Para o prefeito Joãozinho Félix, a restauração do relógio resgata valores que remetem às origens de Campo Maior. Ainda segundo o gestor, as obras na Praça da Liberdade irão proporcionar um ambiente mais agradável, acolhedor e atrativo:
“A Praça da Liberdade é um espaço importante, marca a nossa história e virou um ponto de referência da cidade. Não poderíamos revitalizar toda a área da praça e a extensão da Avenida Santo Antonio e esquecer deste grande símbolo que resgata a nossa história, identidade e cultura. O objetivo é que as pessoas voltem a fazer uso deste espaço, sentem, conversem, que os idosos e as crianças frequentem e, assim, seja um espaço acessível, seguro e democrático”, falou.
Todo o processo de restauração do equipamento ficou por conta do técnico e restaurador Flávio Henrique, mais conhecido como ‘O Careca’, que, dotado de profundo conhecimento e habilidade neste segmento, recuperou o relógio e o sino:
“Fui procurado pessoalmente pelo prefeito Jãozinho Félix, que me ligou e me confiou esta desafiadora missão. Eu estava em São Paulo e vim para Campo Maior, atendendo o desejo do prefeito e aqui estou desde o dia 24 de maio. Já são mais de 5 meses trabalhando na recuperação do relógio. Só para desmontá-lo, levei um mês inteiro. Depois disso, tive de conseguir as peças e os acessórios que estavam faltando para o seu pleno funcionamento, além de pintar, polir e realizar outras intervenções para que o relógio pudesse novamente cumprir com a sua finalidade”, falou.
No Brasil, existe apenas um outro relógio semelhante ao de Campo Maior. Ele está localizado na cidade de Porto Velho, capital do estado de Rondônia. Ambos são da mesma marca ‘Jacques Perret’, e do mesmo período, sendo o de Campo Maior o mais antigo (1940). O de Porto Velho foi trazido da França 9 anos mais tarde, chegando na capital rondoniense no ano de 1949. A diferença entre os equipamentos também está no fato de que o relógio de Porto Velho não funciona, ou seja, está parado, bem como este não possui o sino com badalos.
Pensando em inovar do ponto de vista estético e visual, a gestão municipal solicitou ao artista local, Artes Paz, uma repaginação da torre do relógio. Para isso, foi realizada uma intervenção artística na estrutura do obelisco que agora traz elementos regionais próprios da paisagem geográfica e cultural de Campo Maior como a figura do vaqueiro, a catedral de Santo Antonio, o Monumento do Jenipapo, etc.
“Procuramos dar uma cara nova para a torre do relógio e reconstituímos algumas cenas e paisagens conhecidas dos campomaiorenses. O prefeito Joãozinho Félix teve essa preocupação, de não apenas reformar o relógio, mas de enaltecer a nossa identidade cultural e as nossas origens, valorizando a arte como expressão social e humana. Foi muito gratificante participar deste momento histórico para a nossa cidade”, disse o artista.
Outro aspecto importante diz respeito ao contexto em que o relógio está inserido atualmente. Apesar de trazer importante significado e uma simbologia histórica, o monumento agora pertence a uma Campo Maior moderna, completamente diferente do que foi há 40 anos. Ele vai continuar no mesmo endereço, situado num ponto estratégico da cidade, a praça da Rodoviária, onde irá testemunhar chegadas, partidas, conquistas e desenvolvimento.
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